LUGAR SAGRADO
Exus e Pombogiras na Umbanda: Causas do Deslumbre Moderno
Descubra por que Exus e Pombogiras na Umbanda despertam tanto fascínio moderno e como restaurar o equilíbrio espiritual e tradicional nos terreiros brasileiros.
11/16/20256 min read


O cenário em transformação da Umbanda
A Umbanda, religião de matriz afro-brasileira nascida no início do século XX, sempre se caracterizou pela diversidade espiritual e integração de forças. É uma tradição viva, que une elementos africanos, indígenas, kardecistas e católicos em uma só expressão de fé. Contudo, nas últimas décadas, observa-se um fenômeno curioso: o crescimento do fascínio por Exus e Pombogiras na Umbanda, muitas vezes em detrimento de outras linhas e guias espirituais igualmente fundamentais.
Essa ênfase desproporcional reflete não apenas uma tendência estética ou devocional, mas também mudanças sociais, culturais e tecnológicas que moldam o modo como a espiritualidade é compreendida e vivida no século XXI. Entender as causas e consequências desse deslumbre é essencial para restaurar o equilíbrio e a essência da Umbanda — uma religião que é, antes de tudo, síntese e harmonia entre opostos.
A origem histórica e espiritual do fascínio por Exus e Pombogiras
Desde suas raízes, Exus e Pombogiras ocupam um papel de destaque nas religiões afro-brasileiras. Segundo Pierre Verger, em Orixás: Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo (1981), Exu é o mensageiro divino, o princípio do movimento e da comunicação entre o humano e o divino. Na Umbanda, essa função se amplia: Exu é também o guardião das encruzilhadas, o protetor dos caminhos, aquele que “abre” as passagens espirituais.
Já as Pombogiras, associadas ao poder feminino, à sensualidade e à justiça emocional, representam a força equilibradora do desejo, da palavra e da escolha. Nei Lopes descreve essas entidades como espelhos simbólicos da alma humana, pois expressam, em linguagem mística, o diálogo entre luz e sombra dentro de cada ser.
O deslumbre moderno por essas figuras, portanto, não é casual: eles são os "mais humanos" entre os guias espirituais. Exu e Pombogira tratam do amor, da proteção, do dinheiro, da liberdade — temas concretos, urgentes e acessíveis. No imaginário contemporâneo, em que as pessoas buscam soluções rápidas e individualizadas, eles se tornam arquétipos poderosos de empoderamento e ação imediata.
Simplificação e espetáculo: quando a Umbanda perde profundidade
Um dos principais fatores que explica a ênfase excessiva em Exus e Pombogiras na Umbanda moderna é a simplificação da religião. A expansão digital e o consumo de conteúdo rápido transformaram muitos aspectos da espiritualidade em produto — algo para ser mostrado, não vivido.
Como observa Reginaldo Prandi em Mitologia dos Orixás (2001), a transmissão oral e vivencial das religiões afro-brasileiras sempre foi o núcleo da tradição. No entanto, a “Umbanda de internet” ou “Umbanda EAD” desloca o aprendizado dos terreiros — espaços comunitários e ritualísticos — para ambientes virtuais e descontextualizados.
Isso cria uma geração de praticantes que conhece mais sobre a estética dos rituais do que sobre sua dimensão ética e simbólica. Assim, a figura de Exu e Pombogira, com sua aura de mistério, poder e resultados visíveis, torna-se símbolo de uma espiritualidade performática, muitas vezes desconectada da sabedoria ancestral que sustenta a Umbanda.
“O terreiro é escola, é templo e é espelho da comunidade.”
— Roger Bastide, “As Religiões Africanas no Brasil”
A força simbólica e energética de Exu e Pombogira
Para compreender o fascínio, é preciso reconhecer a potência espiritual real dessas entidades. Na linguagem ritual, Exu representa o fogo da transformação, o impulso vital que movimenta energias e abre caminhos. É o guardião das fronteiras — entre o mundo espiritual e o material, entre o consciente e o inconsciente.
A Pombogira, por sua vez, manifesta o princípio feminino da liberdade e da sensualidade sagrada. Ela atua nos campos do afeto, da autoestima e da justiça emocional, resgatando o direito de sentir e expressar sem culpa.
Ambos simbolizam o equilíbrio entre o instinto e a razão, entre o prazer e a moralidade — aspectos frequentemente reprimidos pela cultura ocidental. Assim, o deslumbre contemporâneo por essas figuras pode ser lido como uma busca inconsciente de reconciliação com a própria sombra, conforme interpretam autores como Jung e Mircea Eliade ao tratarem do arquétipo do “trickster” e das divindades liminares.
Ritual sagrado x uso profano: a linha tênue da prática
O que diferencia a reverência ritualística da banalização profana é a intenção e o contexto.
Nos terreiros tradicionais, Exu e Pombogira são entidades de luz, com funções bem definidas dentro das hierarquias espirituais. Recebem oferendas e pontos cantados que seguem fundamentos ancestrais, sempre mediados por dirigentes e sacerdotes.
No entanto, nas práticas individuais e online, muitos confundem o culto com magia imediatista. O risco é reduzir Exu e Pombogira a símbolos de poder pessoal, esquecendo que eles trabalham a serviço dos Orixás, e não em oposição a eles.
Essa dissociação gera o que Antonio Simas chama de “espiritualidade de consumo” — experiências que prometem resultados, mas carecem de propósito sagrado.
O papel das mídias sociais: o espelho digital da fé
As redes sociais transformaram a espiritualidade em espetáculo. Canais de vídeo, postagens e “lives” sobre trabalhos de Exu ou rituais de Pombogira se multiplicam, frequentemente sem base ritual ou ética.
Plataformas como TikTok e YouTube criaram ícones instantâneos da Umbanda, que muitas vezes privilegiam estética, sensualidade e dramatização em vez de fundamento e doutrina.
Isso gera uma distorção na percepção pública — como se a Umbanda girasse apenas em torno de Exu e Pombogira.
Esse fenômeno reflete uma mudança mais ampla: a espiritualidade contemporânea se tornou autocentrada e performática. Em vez de integração comunitária, busca-se experiência pessoal e exibível. Assim, o culto ao “eu” substitui o culto ao “Axé coletivo” — essência da Umbanda tradicional.
Resgatando o equilíbrio: tradição, educação e vivência
Para restaurar o equilíbrio, é necessário reconectar os filhos de fé com a base tradicional da Umbanda.
Isso passa por educação religiosa, vivência em terreiro e diálogo inter-geracional.
· Estudo dos fundamentos — Apostilas e obras clássicas, como Encantaria Brasileira (Simas & Rufino), ajudam a compreender o lugar de Exu e Pombogira nas linhas de trabalho.
· Valorização dos terreiros — São espaços de aprendizado vivo, onde o Axé circula e a ancestralidade se manifesta em corpo, canto e tambor.
· Formação crítica — Incentivar o pensamento reflexivo sobre conteúdos online é fundamental para distinguir fé autêntica de marketing espiritual.
Somente quando compreendemos que a Umbanda é plural e complementar, conseguimos honrar igualmente Caboclos, Pretos Velhos, Crianças, Boiadeiros, Marujos e todas as demais linhas que sustentam o equilíbrio do terreiro.
Comparações e ecos em outras tradições espirituais
O fascínio por figuras liminares e transformadoras não é exclusivo da Umbanda.
· No Candomblé, Exu também ocupa papel essencial como o primeiro a ser saudado, representando o movimento do universo.
· Nas tradições indígenas brasileiras, há entidades tricksters — espíritos brincalhões que ensinam por meio do erro e do caos.
· No xamanismo africano e ameríndio, o mensageiro que atravessa mundos é sempre ambíguo: sábio e provocador, protetor e desafiador.
Essas comparações mostram que o deslumbre por Exus e Pombogiras na Umbanda é parte de um fenômeno espiritual global: a busca por divindades que rompem fronteiras e devolvem o poder ao indivíduo.
Conclusão: Umbanda é diversidade, não espetáculo
A ênfase excessiva em Exus e Pombogiras na Umbanda moderna revela um desequilíbrio entre visibilidade e essência.
Eles são parte indispensável da religião — mas não o todo.
Honrar Exu e Pombogira é também honrar o coletivo, o mistério e o equilíbrio entre luz e sombra.
Resgatar a verdadeira Umbanda é relembrar que o Axé floresce na união dos contrários: o Caboclo e a Criança, o Preto Velho e o Exu, o corpo e o espírito.
Que a sabedoria ancestral continue a guiar os terreiros rumo à integração e ao respeito mútuo.
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Perguntas Frequentes
1. Por que há tanto fascínio por Exus e Pombogiras na Umbanda?
Porque representam forças "humanas" e próximas, ligadas à vida prática — amor, prosperidade, proteção e liberdade. São entidades de movimento e transformação.
2. Exu e Pombogira são entidades negativas?
Não. Na Umbanda, são espíritos de luz, guardiões e mensageiros, que trabalham dentro da lei divina. O preconceito vem de interpretações distorcidas.
3. Como equilibrar o culto a Exus e Pombogiras com outras linhas da Umbanda?
Participando dos rituais tradicionais, estudando fundamentos e valorizando todas as linhas espirituais igualmente — cada uma tem função essencial.
4. O que a Umbanda ensina sobre o uso profano dessas entidades?
Ensina que intenção e respeito são fundamentais. O uso profano rompe o equilíbrio espiritual e afasta o verdadeiro Axé.
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