De onde vem o Macumbeiro? A Revolução do Orgulho e o Significado Ancestral por Trás da Palavra

Descubra as origens espirituais e históricas do termo Macumbeiro, seu poder ancestral e por que é símbolo de orgulho, poder coletivo e resistência na Umbanda.

11/6/20256 min read

Macumbeiro: Um Nome que Ecoa Ancestralidade e Poder

Durante séculos, o termo “macumbeiro” foi tratado como ofensa. Uma palavra usada para afastar, marginalizar e silenciar. Mas dentro das casas de axé e dos terreiros, ele nunca perdeu sua força.
Macumbeiro é, antes de tudo, um título de sabedoria e encantamento, um nome que carrega poder espiritual e ancestralidade.

Hoje, mais do que nunca, é hora de reescrever essa história.
Ser macumbeiro é assumir um legado coletivo, herdeiro de povos africanos, indígenas e mestiços que moldaram a espiritualidade brasileira.
É reconhecer que “macumba” não é maldição — é memória viva do povo de terreiro, pulsando no som do tambor e no canto das entidades.

A Origem Unificada: Macumba Antes da Fragmentação Religiosa

Antes de existir “Umbanda”, “Candomblé” ou “Quimbanda”, havia apenas o culto à vida, aos ancestrais e à natureza.
No Brasil colonial, práticas como o Calundú, o Catimbó, a Cabula, o Terecô e a Jurema conviviam lado a lado. Cada uma trazia traços das tradições africanas, indígenas e europeias.

Esses cultos eram identificados genericamente como “macumba” — palavra que designava qualquer ritual de encantamento.
Como explica o antropólogo Roger Bastide em O Candomblé da Bahia (1961), o termo servia para descrever “todo um conjunto de práticas mágico-religiosas afro-brasileiras”, sem distinção entre o bem e o mal.

Dentro dos terreiros, ser macumbeiro era motivo de orgulho. Era o nome dos que sabiam lidar com o invisível, dialogar com os mortos e curar com ervas e cânticos.

“A palavra ‘macumbeiro’ não nasce do mal — nasce da força de quem sobreviveu ao esquecimento.”
Luiz Antônio Simas, Umbanda: Uma História do Brasil (2018)

A Estratégia da Divisão: Quando a Macumba Foi Fragmentada

Com a virada do século XX, o Brasil urbano buscava se modernizar. O preconceito racial e religioso cresceu, e as religiões de matriz africana foram criminalizadas.
Em 1890, o Código Penal já enquadrava a “prática de curandeirismo” e “espiritismo” como crimes.

Foi nesse contexto que, em 1908, surge a Umbanda, através de Zélio Fernandino de Moraes e do Caboclo das Sete Encruzilhadas.
A Umbanda se apresentava como uma religião “de luz”, “sem sacrifícios” e “sem feitiçaria” — uma estratégia para proteger o culto das perseguições.

Mas essa reorganização institucional também marcou o início de uma divisão simbólica.
Enquanto “Umbanda” passou a representar a espiritualidade aceita, a “macumba” foi relegada à margem, associada ao “baixo espiritismo” e às “coisas ruins”.

Historiadores como Reginaldo Prandi, em Segredos Guardados (2005), explicam que esse processo foi uma forma de sobrevivência diante da repressão, mas acabou por criar fronteiras artificiais dentro da mesma raiz espiritual.
Assim, a macumba, que antes era símbolo de união, tornou-se sinônimo de medo — uma tática do poder colonial para dividir o povo de terreiro.

A Linguagem dos Encantadores: A Raiz Bantu do Termo “Macumba”

A explicação mais antiga e profunda do termo vem das línguas Bantu, especialmente o Kikongo e o Kimbundu, faladas em Angola e no Congo.

Segundo Nei Lopes, em Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (2011), “macumba” deriva da junção de “ma” (prefixo plural) e “kumba”, que significa encantar, criar, ordenar, soprar, dar forma à vida.

Portanto, “ma kumba” significa literalmente “os encantamentos” ou “os encantadores” — sacerdotes e poetas que dominavam o poder da palavra e do ritmo para harmonizar o mundo visível e o invisível.

Ser macumbeiro, então, é ser um encantador do tempo, um guardião da palavra, um sacerdote do axé.

“Kumba é o verbo que cria o mundo. O macumbeiro é aquele que o pronuncia.”
Nei Lopes, Dicionário Banto do Brasil (2003)

Macumba, Calunga e o Tempo Sagrado

Na cosmologia BaKongo, o universo é regido pelo Dikenga, o círculo da vida.
Ele representa o percurso da alma desde o nascimento até o retorno à ancestralidade.
Nesse círculo, o ponto de passagem entre os mundos é Calunga — o grande mar espiritual, o portal entre a vida e a morte.

A Macumba é o ato de dialogar com Calunga, de alinhar-se ao ritmo do tempo e aos espíritos que regem o ciclo da existência.
O macumbeiro é aquele que, com canto, gesto e intenção, mantém a harmonia entre as forças do universo.

“Calunga é o ventre e o túmulo do mundo. O macumbeiro é o timoneiro que atravessa esse mar.”
Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino, Fogo no Mato: A Ciência Encantada das Macumbas (2018)

O N'Ganga e o Conselho dos Encantadores

Nas tradições bantas, o N'Ganga é o ancião, o sacerdote, o curador.
Quando ele se reúne com outros líderes espirituais, esse encontro é chamado de “macumba” — um conselho sagrado para resolver conflitos, celebrar ritos e harmonizar a comunidade.

Essa ideia foi transplantada para o Brasil e adaptada nas casas de culto afro-brasileiras.
Os pais e mães de santo, ao conduzir suas giras, repetem o gesto ancestral do Ganga: reunir, ouvir, curar e cantar o tempo.

Por isso, dizer “fazer macumba” é dizer “reunir-se em conselho com o sagrado”.
A macumba é o ritual da comunhão e do encantamento coletivo.

Kumba Também É Poesia: A Força da Palavra e do Canto

Nas culturas Bantu, a palavra tem força mágica (N'Kisi).
“Kumba” também significa poeta ou aquele que canta para transformar o mundo.
Por isso, nas religiões afro-brasileiras, o som é a principal ferramenta espiritual: os cânticos, pontos e rezas são formas de encantamento.

Cada ponto cantado é uma oração viva.
Cada toque de tambor é uma invocação ancestral.
Cada palavra dita com axé é um sopro que reorganiza o mundo invisível.

Assim, o macumbeiro é, antes de tudo, um poeta do tempo, alguém que domina a arte da palavra encantada.

Macumba e Capoeira: O Código da Resistência Negra

Durante o período escravocrata e até o século XIX, as manifestações espirituais negras foram perseguidas.
Falar em macumba era perigoso — por isso, ela se tornou linguagem cifrada, uma senha de resistência.

Nas rodas de capoeira, a palavra “macumba” apareceu como símbolo de poder e mistério.
Como mostram Mestre Pastinha e Mestre Bimba, a capoeira nasceu junto com a macumba: ambas são expressões do mesmo espírito de liberdade.

“Capoeira é luta, dança e reza. É corpo encantado, é macumba em movimento.”
Luiz Antônio Simas, Almanaque Brasilidades (2020)

“Fazer macumba” significava reunir-se para cantar, dançar, resistir. Era o disfarce perfeito: debaixo da música, escondia-se o ritual; sob a roda, pulsava o culto.
Ser macumbeiro, portanto, era ser rebelde e sagrado ao mesmo tempo.

Do Quilombo à Cidade: O Macumbeiro como Líder Coletivo

Lideranças como Aqualtune, Ganga Zumba, Zumbi dos Palmares e Dandara não foram apenas guerreiros — foram também macumbeiros no sentido espiritual do termo.
Eles compreenderam que a força coletiva é uma forma de magia.

Em Palmares, a fé, a música e o tambor não eram adereços — eram armas de sobrevivência.
O poder da macumba era o poder da união, da palavra que cria comunidade.

Hoje, essa mesma energia continua viva em cada terreiro, cada roda, cada canto de fé.

A Fragmentação Contemporânea: Lembrar Quem Somos

Com o passar dos anos, a estrutura colonial ainda nos divide.
Religiosos brigam por dogmas enquanto a intolerância religiosa cresce.
Mas no fundo, Umbanda, Quimbanda, Candomblé, Jurema e Catimbó compartilham a mesma centelha: a ciência encantada da macumba.

Reivindicar o termo macumbeiro é curar a fragmentação, recuperar o orgulho e lembrar que viemos da mesma raiz.
Como ensinam Simas e Rufino, “a macumba é um sistema de conhecimento — não uma seita. É o exercício da vida encantada”.

Conclusão: Somos Todos Macumbeiros — Guardiões do Encantamento

A palavra macumbeiro resume nossa história.
É símbolo de luta, sabedoria e encantamento.
Da África ao Brasil, dos tambores aos pontos cantados, ela atravessa séculos como testemunha da resistência espiritual de um povo.

Assuma com orgulho:
“Eu sou macumbeiro.”
Não porque faço feitiço — mas porque encanto o mundo.
Porque canto, curo e mantenho viva a memória dos que vieram antes de mim.

“Macumbeiro é quem sabe dançar com o tempo e falar com os mortos sem perder o amor pela vida.”
Luiz Antônio Simas, 2018

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Perguntas Frequentes sobre o Termo Macumbeiro

1. Qual é a origem da palavra Macumbeiro?
Vem do Kikongo (língua Bantu), onde “ma kumba” significa os encantamentos. O macumbeiro é, portanto, o encantador, o sacerdote que canta e cura.

2. Por que a palavra Macumbeiro virou ofensa?
Durante o período colonial, a elite e a Igreja demonizaram as religiões africanas. O termo foi deturpado para enfraquecer o povo de terreiro.

3. Qual a relação entre Macumba e Umbanda?
A Umbanda é uma das expressões da macumba ancestral — uma evolução sincrética que manteve o mesmo espírito encantador.

4. O que significa fazer Macumba?
É realizar rituais de conexão espiritual, com cânticos, ervas e oferendas, celebrando a vida e os ancestrais.

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